quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"Se o nosso cliente estivesse insatisfeito, ele não andava de trem"

Se o seu cliente, dona CPTM, tivesse escolha, com certeza ele não andaria de trem...

A frase título deste post é do advogado Sérgio Henrique Passos Avelleda, o atual presidente da CPTM. Aproveito a frase para ressalvar alguns pontos da entrevista que ele concedeu à Revista Ferroviária, em sua edição de Maio/Junho de 2010, pois, em minha visão, a mesma oculta fatos que levaram à expansão do número de usuários, assim como dos fatos que provocaram a utilização de medidas mais extremas, como o famigerado Embarque Melhor.

Hoje, a CPTM transporta cerca de dois milhões e cem mil passageiros, em dias úteis. O que deve se discutir são as razões que levaram a esse número. Levanto neste texto alguns exemplos.


Desde 10/03/2007, o ponto final de 31 linhas de ônibus metropolitanas do ABC com destino ao Parque D. Pedro II, Glicério e Luz é no Terminal Sacomã do Expresso Tiradentes, na zona Sul da capital. Com isso, boa parte dos usuários dessas linhas migraram para a CPTM, sem a devida avaliação de impacto destes novos passageiros no sistema. Para variar, uma medida de grande alcance nos transportes coletivos não foi pensada de maneira integrada, algo infelizmente muito comum nos transportes metropolitanos de São Paulo.


Há um ano, a Prefeitura de São Paulo restringiu a circulação de fretados, com a consequência de colocar mais usuários, ou nas ruas, ou no transporte coletivo, novamente sem o devido planejamento de impacto de tal medida. Novamente, uma parte desses passageiros parou na CPTM.

Analisando o teor da entrevista de Sérgio Avelleda, continuo com a mesma impressão dos últimos 3 anos: a CPTM continua não levando em conta, em seus planejamentos, questões mais amplas que deveriam ser abordadas pela Secretaria de Transportes Metropolitanos, e não isoladamente, como o perfil efetivo do usuário de transporte coletivo, seu real trajeto e atividades.

Quando Avelleda afirma que o Estado deve dirigir o desenvolvimento, reduzindo a mobilidade urbana, esquece-se de algo muito importante: Quem efetivamente utiliza a CPTM, que são as pessoas mais simples e humildes, não terão alternativas nem a longo prazo próximas aos seus domicílios, pois são pessoas que trabalham para os ricos de São Paulo. Esses sempre exigirão "peões" para a execução das tarefas mais árduas e pesadas, e esses "peões" nunca terão condições de morar próximos ao local de trabalho, e dependerão sempre do transporte coletivo, sofrível e ineficiente.


Existe ainda o outro lado da moeda: pessoas com maior poder aquisitivo que efetivamente desistem do transporte coletivo, por comodidade ou até mesmo por necessidade. Imaginem alguém, cuja atividade exige trajes alinhados e impecáveis, passando pela lotação do "Montinho" do trem durante uma, uma hora e meia? Essa pessoa passa a disputar espaço no trânsito caótico da Grande SP, causando impactos maiores ainda no sistema viário e de transportes da região. Esse reflexo é, até hoje, ignorado ou relevado pelas pessoas que efetuam o planejamento dos transportes metropolitanos.

Por fim, o cliente da CPTM não tem muita escolha mesmo, mas daí a afirmar que todos os passageiros dos "ilustres" trens estão satisfeitos, é uma enorme distância. Faço um paralelo interessante com a situação da Telefónica em SP, que por um tempo foi proibida de comercializar o Speedy, seu serviço de banda larga, por entregar o mesmo com uma qualidade sofrível, para usuários que em grande maioria também não tinham escolha. Será que não é hora de colocar as rédeas curtas na CPTM e nos desmandos e incompetências de quem planeja o transporte coletivo em São Paulo?

4 comentários:

  1. Duas semanas atrás postei no meu blog um texto onde tentei elaborar por que a baldeação na Luz é um caos. E cheguei a conclusões diferentes (mas simplesmente porque o problema que discuti é diferente do que você está discutindo). Mas não é preciso fazer uma grande análise para perceber que a fonte de ambos os problemas é a mesma.

    Isso é bem ilustrado pelo comentário que surgiu poucas horas depois da publicação: "Por mais que um sis­tema tente ofe­recer um sis­tema de qua­li­dade, sempre haverá recla­ma­ções. Mesmo que o sis­te­ma­ seja um dos melhores no país." É a mesma visão da CPTM. É inegável que a empresa, ao assumir as chamadas linhas de subúrbio em meados dos anos 1990, resolveu diversos problemas, como os pingentes, e melhorou a qualidade dos serviços. Mas daí a dizer que o serviço ficou bom vai uma grande distância.

    Uso diariamente a CPTM e tenho consciência de diversos dos problemas. A grande mídia geralmente fala apenas do metrô, ignorando a CPTM, a não ser que seja alguma coisa muito grande. Em 25 de janeiro de 1979 a CPTM reinaugurou boa parte das estações da atual Linha 8, e só o então Diário Popular deu destaque para o acontecimento.

    Então fica a impressão de que o sistema funciona a contento, seja para o grande público (não-usuários e usuários eventuais, especialmente aqueles que só usam o sistema fora dos horários de pico), seja para a própria empresa. O sistema só pode ser chamado de bom quando comparado com como funcionava até os anos 1990 e/ou com outros sistemas que são muito piores.

    Enquanto a mentalidade de que "razoável é bom" não mudar, o sistema vai continuar superlotado e cheio de problemas.

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  2. Eu que pego o trem no sentido "contrário", São Paulo-Mogi das Cruzes todos os dias passo por coisas muito desagradáveis também. Não existe, por exemplo, um hotário fixo. Enquanto os trens que vão para o Brás passam de 5 em 5 minutos, o meu sentido passa hora em 15, 20, ou 30 minutos (sem contar quando há casos de "defeito na via" como eles anunciam nos falantes).
    Nunca consigo chegar no mesmo horário no serviço. Já me descontaram algumas vezes o salário por atraso, por causa de desorganização da CPTM e eles não têm ao menos uma justificativa plausível sobre os atrasos.
    Nunca sei a que horas o trem vai passar!
    Nunca vi ninguém dizer que gosta de pegar trem, muito menos dizer que está satisfeito com o transporte ferroviário.

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  3. Eu gosto de pegar trem, mas não tem nada a ver com a qualidade do serviço da CPTM. Gosto de ver a paisagem que margeia as linhas, por isso tenho feito postagens mostrando o que muita gente não vê justamente porque está espremida feito sardinha dentro do vagão. Eu mesmo só consigo ver porque pego o trem já lotado e sou obrigado a ficar na região das portas, depois de empurrar muita gente para dentro para eu caber ali.

    Os intervalos são estranhos: às vezes, vem um atrás do outro (uns seis, sete minutos de intervalo). Às vezes, pode demorar até uns quinze minutos, e isso no sentido do fluxo. Posso levar qualquer coisa entre 35 e 55 minutos para chegar ao meu destino, uma diferença que deveria ser inaceitável para a CPTM. E, a bem da verdade, ao metrô, também, que ainda não está lotado com a CPTM, mas está no mesmo caminho.

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  4. Como alguém em sã consciência, obrigado a ficar num lugar super lotado, apertado, correndo riscos...pode estar satisfeito!
    O embarque nos trens da CPTM é ridículo! As pessoas se empurram, se machucam, se xingam. Todas querendo entram no trem ao mesmo tempo.
    Várias vezes comparei os usuários da CPTM com animais, várias vezes gritei durante o embarque: “bando de pessoas sem educação”, “precisa desse empurra empurra”...
    Mas certa vez, com a cabeça fria depois do estresse do embarque e da viagem num desses trens, pensei:
    Como não fazer de tudo pra entrar nesse trem? muitas dessas pessoas precisam entrar no primeiro trem que vêem porque não dá pra saber quando outro virá...
    A maioria não pode se dar ao luxo de se atrasar sequer um minuto no trabalho sem que algo lhe seja descontado no final do mês.
    Algum desavisado poderia dizer: “quer sair do tumulto, saia mais cedo de casa!“
    Porém, nos últimos três anos, pelo menos, é o que eu e muitos usuários da CPTM vimos fazendo...
    A três anos atrás eu podia tomar um trem às 7h da manhã que conseguia chegar a tempo no trabalho. Nos últimos meses, mesmo às 6h da manhã não consigo embarcar com tranquilidade e não tenho certeza de chegar a tempo no trabalho... às 5h às 5:30h a plataforma já está cheia de gente...
    Realmente CPTM, estamos satisfeitíssimos em sacrificar mais algumas horas do nosso sono pra TENTAR tornar viável a viagem nesses trens. Estamos satisfeitíssimos em começar o dia nos degladiando na plataforma, aumentando o estresse e a adrenalina do nosso dia. Pra que pular de para-quedas? Use trem!

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